sábado, 8 de outubro de 2016

Tia de Quem?

     Os pronomes de tratamento são expressões de reverência, títulos honoríficos, nomes que constituem formas corteses de se referir a alguém. Tais aspectos estão condicionados ao grau de intimidade que estabelecemos com as pessoas e, dependendo da posição hierárquica que ocupam, necessitam da devida adequação.
     Empregamos os termos senhor e senhora, por exemplo, a pessoas de mais idade, experiência, conhecimento ou que simplesmente ocupam um papel hierarquicamente superior ao nosso. Chamamos de doutores (as vezes de forma equivocada, pois naturalizada) médicos e advogados, ressaltando que aquela pessoa tem um alto grau de conhecimento sobre a sua área de atuação. Seguindo esta lógica, eu pergunto: a que tipo de pessoas empregamos o pronome Tia(o)?
    Não entendeu a pergunta? Compreensível. Afinal, tia e tio são relações familiares, mas isso não nos impede de usar esse "pronome" com a "tia" da limpeza, com o "tio" da xerox, com a "tia" da cantina, mesmo que eles não façam parte da nossa família. Já parou para pensar que esse termo possui um caráter minimizador?
     Pessoas que recebem este título de membros honorários da família costumam ocupar cargos socialmente desvalorizados, vistos como subalternos. São pessoas com baixo grau de instrução que passaram a vida lutando pelo pão de cada dia e em grande parte das vezes não tiveram oportunidades de crescimento profissional. A familiarização tem o objetivo de diminuir a carga negativa de chamar uma senhora de 56 anos pelo nome de seu cargo, seja o de copeira, auxiliar de serviços gerais ou merendeira, por exemplo. Esse "constrangimento" pode ser comparado ao que leva alguém a chamar uma negra de moreninha, como se ser negra fosse algo que precisa ser minimizado.
       Ter um trabalho digno é honroso, não é motivo para vergonha ou constrangimento de ninguém, nem de quem chama e nem de quem é chamado. Se chamar profissionais por esse título não tivesse uma intencionalidade e fosse algo, de fato, normal você usaria ele com os "doutores" médicos e advogados, com os líderes religiosos e quem sabe com o seu próprio chefe. Seria adequado? Os Tios e Tias que encontramos diariamente possuem identidade própria, possuem um nome e o mais adequado seria tratá-los através deste. Um "seu" ou "dona" de vez enquanto não faz mal também.
    Para aqueles que ao longo desse texto se lembraram de todas as professoras que tiveram ao longo da infância e que chamaram ou ainda chamam de tia eu gostaria de dizer que esse termo foi atribuído a elas de forma mal intencionada em uma sociedade machista que via a docência como uma extensão do trabalho - antigamente visto como natural - da mulher que era educar os seus próprios filhos e para isso transformou a profissional da educação em uma outra mãe para os filhos de todos: Uma tia.
     Segundo Paulo Freire, essa forma de tratamento também tem o objetivo de minimizar o caráter político intrínseco a ao magistério. Até porque, professoras fazem greves. As boas tias, não. Professoras lutam por seus direitos, subvertem o sistema. As boas tias, não.
     Finalizando, lembro que os funcionários que chamamos de tios em sua maioria não se incomodam, já naturalizaram esse tratamento e talvez se sintam até acolhidos de verdade. O objetivo desse texto não é extirpar esse familiar do seu cotidiano,  é tão somente te levar a uma reflexão sobre um hábito tão enraizado que deixa de ser questionado, mas como tudo nesse blog, essa é apenas a Minha Humilde Opinião.

Ass: Bruno Santos

Fontes:

SANTOS, Humberto C. Professora não é tia: Professora é educadora. In Revista Estação Científica - Juiz de Fora - N° 13, Janeiro a Junho/2015

Pronomes de Tratamento.
 <http://m.portugues.uol.com.br/gramatica/pronomes-tratamento.html> Acesso em: 08/10/2016

FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não. Cartas a quem ousa ensinar. SP. Editora Olho D'água, 1997.

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