domingo, 20 de agosto de 2017

Epifania

     O final do ano costuma ser uma época triste para muitas pessoas. Momento de rever os erros cometidos ao longo do ano e tal. Eu costumava ser esse tipo de pessoa, não via outra utilidade para esse período que não fosse lembrar das promessas feitas no ano anterior que precisariam ser refeitas por não terem sido cumpridas. Entretanto, no fim de 2017 eu estarei bastante ocupado agradecendo pelas minhas metas alcançadas, então, resolvi adiantar essa reflexão pessimista para o meu aniversário, vulgo segunda semana de agosto.

     Nesse "balanço" eu pego meu ano anterior e observo aquilo que eu conquistei de lá para cá. Os lugares para onde eu consegui viajar (nenhum), dos livros que eu consegui ler (pouquíssimos), das minhas ações significativas em prol da sociedade (?), enfim, reúno o material que poderia ser usado a meu favor caso o Faustão resolva fazer um *Arquivo Confidencial* comigo. Não que algum dia ele vá fazer um, mas é uma das coisas que passa pela minha mente, isso e "se eu tivesse uma morte prematura e entrevistassem quem me conheceu, que tipo de coisas diriam sobre mim? Em quais momentos de suas vidas eu fui crucial?".

     Já conhecí quem fique triste no próprio aniversário por estar ficando mais velho e achar que isso lhe desmerece ou aproxima da morte. Não vejo dessa forma, aliás, vejo a morte como um anjo que nos acompanha desde o nascimento e que pode vir a nos arrebatar em qualquer momento da vida, independente da idade, do credo, da cor ou da condição socioeconômica. Na verdade, acho que essa é a beleza da vida, o que nos leva a precisar aproveitar cada momento como se fosse o ultimo. Cada abraço, cada encontro, cada música que se ouve, cada filme que se vê pode ser o último, cada vez que você se despede de alguém sem dizer o que gostaria por achar que terá outra oportunidade pode ser o início de um remorso perpétuo.

     Não sei se tem o mesmo efeito em vocês, mas quando vou a um museu e dizem "essa é a caneta com a qual essa grande figura histórica escreveu sua última carta", por exemplo, a caneta ganha um sentido diferente de quando dizem "essa é a caneta com a qual essa grande figura histórica escrevia suas cartas". O último parece mais especial. E será dessa forma com todos nós. Você pode dormir em uma mesma cama a vida inteira sem que ninguém dê a mínima, mas caso você morra nela, ela ganhará uma força mística que pode fazer com que as pessoas se aproximem ou se afastem. Podemos chamar de "A magia da última vez". Isso muda a visão das pessoas que amam, da outra significação ao meio, mas não muda o fato. Quem morre não volta.

     Nessa reflexão que ficou maior que o esperado e que tomou caminhos não pretendidos, percebi que as verdadeiras conquistas são aquelas que acontecem de forma tão gradual que não da pra perceber sem olhar mais de longe, então, parei de procurar minhas vitórias ao longo do ano e olhei para mais longe. Olhei para o Bruno de 17 anos, sem perspectiva, sem sonhos, só existindo e não vivendo, com medo de incomodar ou de ocupar espaço no ambiente. Aquele garoto que se omitia e se anulava para passar despercebido. Pensei em todas as pessoas que passaram pela minha vida ao longo desses dez anos e em como valeu a pena conhecer cada uma.

     Então, eu ganhei outra perspectiva e comecei a contar outros tipos de conquistas. Quantos amigos eu consegui manter próximos mesmo estando longe, quantos eu consegui ajudar com minhas palavras, quantas vezes a minha simples presença falou mais do que qualquer coisa que pudesse ter saido da minha boca. Quantos planos eu tinha aos 17 anos que eu consegui realizar sem ter sequer me dado conta, sem ter inclusive comemorado. Ser um jovem (tenho que usar esse título enquanto posso) negro, pobre, morador de bairro com altos índices de criminalidade que pode ser revistado pela polícia (como eu fui essa semana) com a consciência limpa e a certeza de que vai seguir o seu caminho depois é uma conquista, colocar a cabeça no travesseiro cansado depois de um dia de trabalho é uma enxurrada de conquistas. Ter uma pessoa que - dentre todas as outras pessoas do mundo - escolheu passar o resto da vida com você é uma conquista inestimável. Ter conhecido ambos os pais é uma conquista pela qual eu sou grato.

     Nesses dez anos eu mudei, venci alguns limites e estou lutando contra outros, não sei em que momento Deus julgará que essa obra - minha vida - estará concluída, pode ser amanhã ou daqui a setenta anos, seja como for eu acredito que cada segundo valeu a pena e agradeço.

Obs. To torcendo pelos 70 ;)

Ass: Bruno Santos